O câncer de cabeça e pescoço compreende um grupo heterogêneo de tumores que acometem a região da cabeça e pescoço. O tipo histológico mais frequente é o carcinoma espinocelular (CCE), correspondendo à aproximadamente 95% dos tumores da via aerodigestiva superior.
A aerodigestiva superior é dividida em cavidade oral, faringe (nasofaringe, orofaringe e hipofaringe) (Figura 1), laringe (supra-glote, glote e subglote) (Figura 2), cavidade nasal e seios paranasais, além das glândulas salivares que é discutido em outro tópico. Embora o CCE seja o principal tipo histológico da região de cabeça e pescoço, esse tumor apresenta características distintas como crescimento, disseminação, prognóstico e resposta a determinado tratamento, conforme o sítio de origem. Desta forma, é fundamental a avaliação e acompanhamento por especialistas.
Estes sítios são áreas diretamente envolvidas com as funções de fala, deglutição, respiração, paladar, olfato e outros. Por isso, para tratamento dos pacientes é imprescindível uma equipe multidisciplinar que envolve o cirurgião de cabeça e pescoço, oncologista, radioterapeuta, bem como os profissionais da odontologia, nutrição, psicologia, enfermagem e fonoaudiologia.
Epidemiologia
O câncer de cabeça e pescoço é a quinta neoplasia mais comum no mundo. A tabela 1 registra a estimativa do INCA para 2016, no Brasil, dos principais tumores que acometem o ser humano. Dentre eles destacamos os tumores de cavidade oral e laringe, com uma incidência aproximada de 22.840 mil novos casos por ano aqui no Brasil.
Fatores de Risco
O CCE são mais frequentes no sexo masculino, na proporção de 4:1, com pico de incidência entre 50 e 70 anos de idade.
Tabela 1 – Estimativas para o ano de 2016 das taxas brutas de incidência por 100 mil habitantes e do número de casos novos de câncer, segundo sexo e localização primária, no Brasil.
O tabagismo e o etilismo são os principais fatores de risco envolvidos com o CCE. Existe um sinergismo entre o cigarro e a bebida, ou seja, a associação desses dois fatores etiológicos aumenta o risco de desenvolver o câncer em 35 vezes em relação à população normal.
É importante salientar, que aproximadamente 15% à 20% dos pacientes tabagistas e etilistas podem desenvolver mais de um tumor, em sítios diferentes, é o que chamamos de segundo tumor primário. Por esse motivo, mesmo que o tratamento do primeiro tumor seja eficiente, com consequente cura, o paciente deve permanecer em acompanhamento médico, por tempo indefinido, pelo risco de desenvolvimento de novos tumores. Mais recentemente, o vírus HPV vem ganhando atenção maior entre os médicos cirurgiões e oncologistas, já que a infecção pelo HPV está relacionada ao desenvolvimento de câncer na orofaringe, principalmente amigdala e base de língua. É importante ressaltar que devido a esse vírus, a incidência do câncer de orofaringe vem aumentando em todo mundo.
O câncer de nasofaringe está associado à infecção pelo vírus Epstein-Barr. Outros fatores conhecidos são exposição ocupacional, exposição à radiação, fatores dietéticos, imunossupressão e susceptibilidade genética.
Sinais e sintomas
Os tumores da via aerodigestiva superior, geralmente, manifestam-se tardiamente, já em estádios avançados e frequentemente, levam ao atraso no diagnóstico.
Destacamos alguns sinais e sintomas de acordo com o sítio de origem:
Câncer de seios nasais: sangramento ou obstrução nasal, abaulamento na face, sinusite de repetição.
Câncer de nasofaringe: nódulos ou massas no pescoço em 90% dos casos; otites crônicas, cefaleia, alterações neurológicas.
Câncer de cavidade oral: feridas ou aftas que não cicatrizam, alterações dentárias, dificuldade em fixar próteses dentárias, sangramento, mal cheiro e dor local ou para engolir, dificuldade para abrir a boca, emagrecimento.
Câncer de orofaringe/hipofaringe: nódulos no pescoço, dificuldade e dor para engolir alimentos ou saliva, dor no ouvido,
emagrecimento.
Câncer de laringe: rouquidão, tosse.
Diagnóstico
O diagnóstico dos tumores de cabeça e pescoço, assim como de outras áreas, começa por uma consulta médica especializada – cirurgião de cabeça e pescoço – por meio de uma anamnese e exame físico completos e rigorosos e de preferência acompanhados por fibronasolaringoscopia ou videolaringoscopia.
Exames de imagem como ultrassom, tomografia computadorizada, ressonância magnético ou PET-CT são importantíssimos e podem ajudar muito no diagnóstico e estadiamento, mas sempre devem ser solicitados baseados nos achados do exame clínico.
Para o diagnóstico de certeza, é necessário a confirmação histológica de fragmentos do tumor. O material é geralmente coletado por meio de biópsia ou punção, realizada pelo cirurgião de cabeça e pescoço.
Estadiamento
Após o diagnóstico e a classificação histológica do câncer de cabeça e pescoço, é necessário o estadiamento da doença, ou seja, verificar a extensão da doença. Para isso, geralmente são pedidos exames complementares, como exames laboratoriais e exames de imagem direcionados ao sítio do tumor primário, ao pescoço e ao tórax. O objetivo destes exames é determinar o tipo ideal de tratamento para aquele determinado paciente e também o prognóstico.
Tratamento
Os pilares do tratamento do câncer de cabeça e pescoço são a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. É fundamental para isso a integração entre o cirurgião de cabeça e pescoço, o oncologista e o radioterapeuta, afim de se determinar a melhor opção terapêutica e evitar procedimentos desnecessários.
Alguns critérios sempre devem ser considerados para seleção da modalidade de tratamento a ser empregada, entre eles, citamos em ordem decrescente de importância:
Possibilidade de cura
Resultado funcional e estético
Tempo de tratamento
Qualidade de vida
Riscos de tumores subsequentes
Possibilidade de resgate de recidivas
Importantes avanços ocorreram na última década, incluindo aperfeiçoamentos nas técnicas operatórias, avanços nas técnicas de radioterapia e diferentes estratégias de quimioterapia.
Em geral, pacientes com tumores em estadio inicial são tratados com uma única modalidade terapêutica, normalmente cirurgia ou radioterapia. A definição de qual modalidade terapêutica a ser empregada depende muito dos critérios expostos acima, assim como a estrutura do serviço e experiência da equipe médica.
Para pacientes com tumores em estadio avançado, são necessárias duas ou mais modalidades terapêuticas para conseguirmos um tratamento eficaz. Desta forma, dependendo da localização e extensão do tumor, podem ser utilizadas cirurgia + radioterapia, acrescido ou não de quimioterapia e em alguns casos específicos, quimioterapia + radioterapia, deixando a cirurgia para o resgate, nos casos de recidiva.
Prognóstico
O prognóstico do câncer de cabeça e pescoço dependerá da extensão da doença ao diagnóstico e da presença de comorbidades, ou seja, doenças associadas. O crescente aprimoramento das técnicas cirúrgicas, da radioterapia e da quimioterapia são medidas que aumentam a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes.
Dentre os fatores prognósticos destacamos:
- Tipo histológico do tumor
- Estadiamento clínico
- Localização do tumor primário
- Tratamento instituído inicialmente
- Presença de metástase linfática e à distância – principal fator prognóstico
- Prevenção
O câncer de cabeça e pescoço tem alto potencial de prevenção, visto sua relação intrínseca com o tabagismo e etilismo. Campanhas voltadas a reduzir o início dos hábitos, principalmente entre jovens, são prioritárias e merecem forte apoio da população. Segundo recomendações do INCA, é essencial manter uma boa higiene bucal, ter os dentes tratados e fazer uma consulta odontológica de controle a cada ano. Uma dieta saudável, rica em vegetais e frutas, é capaz de prevenir o câncer de cabeça e pescoço.
O câncer de pele na região de cabeça e pescoço também é frequente. Para preveni-lo, deve-se evitar a exposição ao sol ou utilizar proteção (filtro solar e chapéu de aba longa).
Em relação à infecção pelo HPV, a utilização de preservativos e mais recentemente a administração de Vacinas anti-HPV, se mostram muito eficazes.
Referências
www.sbccp.org.br
www.inca.gov.br
Shah JP. Câncer of the head and neck. American cancer society; 2001, p.01-18
PORCARO-SALLES; J.M.; FREIRE; A.R.S.; VICENTE, L.C.C. Câncer de boca – Uma visão multidisciplinar. Belo Horizonte: Coopmed, 2007.
Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Programa de Atualização em Cirurgia (PROACI) – Ciclo 7 / Módulo 4. Porto Alegre: editoras Artmed/Panamericana, 2011.
Savassi-Rocha, P.R.; Almeida Sanches, R.R.; Savassi-Rocha, A.L. Cirurgia de Ambulatório. Rio de Janeiro: Medbook, 2013.